Desde 2001 acompanhando o vai e vem da esquina mais movimentada da rua Boa Vista, no Centro de São Paulo, Felippe Nunes, gerente comercial do Café Girondino, pode falar com propriedade sobre o que realmente funciona (ou não) para dar vitalidade ao centro histórico.
Há dois meses, Nunes viu a porta de seu café abarrotada de mulheres em pleno domingo, pouco antes das sete horas da manhã. O pelotão de onze mil corredoras participava de mais uma etapa da Corrida Mulher-Maravilha, evento esportivo que leva as participantes a percorrerem seis quilômetros Centro adentro, com largada nas imediações do Vale do Anhangabaú, passando pela rua Libero Badaró, Viaduto do Chá e chegada na avenida São João.
Foi a partir dessa rota que, segundo o comerciante, muitos clientes novos chegaram (e ainda chegam) ao Girondino. A dificuldade de acessar e circular pelo Centro de automóvel, segundo Nunes, é o que muitas vezes impede a população de descobrir a oferta de bons negócios na região.
“Os eventos são a grande aposta para a recuperação do Centro. Esse tipo de ação muitas vezes gera mais benefícios do que obras. Leva também as pessoas a olharem para a história da cidade em que vivem e se conectarem com a nova vocação do Centro”, diz Nunes.
Da janela principal do café, que dá para o Mosteiro de São Bento, Nunes vê uma legião de clientes chegando assim que a missa acaba todos os domingos próximo ao meio-dia. Uma cerimônia que ele considera fundamental para o funcionamento e faturamento do Girondino neste dia da semana. O estabelecimento é um dos poucos (se não o único) a abrir na região aos domingos – e até às 17 horas.
Aos sábados, o movimento também muda e aumenta pelo menos 25%. Neste dia da semana, o crédito é todo da rua 25 de Março, segundo Nunes. O bônus é gerado pelo público que vem turistar e comprar em lojas especializadas e faz questão de passar por comércios tradicionais, como o Girondino e a Casa Godinho, na rua Libero Badaró.
O Café no endereço em que está foi inaugurado em 1998, e chamado assim em referência ao antigo Café Girondino, do início do século XIX, que ficava na esquina da Rua XV de Novembro com a Praça da Sé. Porém, as casas não têm nenhuma ligação entre as famílias fundadoras.
Com meia luz e decoração que remete aos anos 1950, o negócio tenta preservar a antiga atmosfera de uma região recém-enriquecida pelo café, quando bondes ainda passavam por aquelas ruas os barões tinham o Largo do Café como ponto de encontro para compra e venda do grão.
Ainda que com um cenário um tanto diferente nos últimos vinte anos, Nunes se esforça para enxergar a região com bons olhos, apesar de seus problemas, que não são muito diferentes de outras metrópoles. Atrativos não faltam, aponta o comerciante: construções históricas, bares e restaurantes, igrejas centenárias, cartões-postais da cidade, mercearias, livrarias e alguns resquícios de comércios badalados – como o salão do café do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), também gerido por Nunes e seu sócio André Boaventura. O prédio, inaugurado em 1927, também tem sua fachada decorada com motivos do café.
Além disso, Nunes traça um paralelo com a região da Avenida Paulista, que há anos tem seus transeuntes vítimas de furtos e roubos, e mesmo assim segue lotada de pedestres e com vitalidade. “Quando há movimento e vida, as pessoas se sentem à vontade. Não podemos perder o hábito de visitar o Centro”, diz.
Entre altos e baixos, nesses últimos 20 anos o empresário diz ter visto muitas obras, projetos pensados a médio e longo prazo – muitos deles bons em seu entendimento. Mas o que ele tem visto de fato fomentando a recuperação da região são os eventos levados para o Centro de São Paulo.
Até o fim deste mês, dois acontecimentos devem impactar a região positivamente – outra corrida e o Festival do Café no Triângulo SP, uma iniciativa da Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Turismo, envolvendo 30 cafeterias do centro expandido.
Entre os dias 22 e 26 de maio diversas cafeterias participantes receberão palestras, workshops e degustações. A escolha do triângulo histórico para sediar o evento tem a ver com aspectos históricos que relacionam o café com este local onde existe, por exemplo, o Largo do Café, rodeado por edifícios históricos, onde funcionava a Bolsa do Café.
É essa fama que faz do Café Girondino um destino certo para tantos turistas que passam pela capital e que Nunes diz querer dividir com outros empresários do ramo. Focado na ascensão econômica do Centro, Nunes se empenha para enaltecer a região onde está instalado, e viver em comunidade, onde vizinhos podem se ajudar mesmo sendo concorrentes.
“Quero ver mais 60 cafeterias abrindo no Centro. Quero concorrência, público e muitas portas abertas. Em uma comunidade você se fortalece no coletivo, e o Centro precisa disso”, diz.
IMAGEM: Café Girondino/Divulgação