Casa da Boia se moderniza sem perder as tradições

Fundada há quase 130 anos, a loja investe na restauração do seu patrimônio arquitetônico e organiza visitas guiadas por historiadores

Erguido na rua Florêncio de Abreu, no Centro de São Paulo, um casarão histórico se destaca entre as demais construções. Ali, funciona a Casa da Boia, revendedora de produtos de cobre e metais não-ferrosos, fundada em 1898, pelo sírio Rizkallah Jorge Tahan. O prédio é um marco do comércio paulistano e foi tombado em 1992, pelo Patrimônio Histórico Municipal. Hoje, o estabelecimento é comandado por Mario Roberto Rizkallah, neto do fundador e que, aos 73 anos, mantém viva a herança da família.

Com 126 anos de existência, a Casa da Boia busca se reinventar no competitivo mercado de varejo, enquanto preserva sua tradição. A equipe da loja implementa estratégias para estreitar relações com novos e antigos clientes, ao mesmo tempo em que se adapta às demandas modernas. Criada com o nome de Rizkallah Jorge e Cia., passou por algumas mudanças até adotar a denominação Casa da Boia, em 1951. A mudança do nome tem história curiosa.

Inicialmente, o lugar dedicava-se à fabricação de artefatos de decoração, como arandelas, gradis e candelabros. Foi quando, no início do século XX, São Paulo sofreu um surto de doenças epidêmicas, em virtude de deficiências em saneamento básico. A campanha do Governo para erradicação da febre amarela gerou uma demanda crescente por materiais sanitários. Para atender a essa necessidade, a Rizkallah Jorge e Cia. ampliou sua produção de itens como sifões, canos e bóias de caixas d’água. Assim, surgiu o apelido Casa da Boia.

Entre as décadas de 1940 e 1960, a loja virou um dos representantes da indústria de metais no Brasil – revendendo produtos como canos, fios e chapas de cobre, latão e bronze – e foi palco de debates sobre momentos históricos do Brasil. “A Era Vargas, o governo de Juscelino Kubitschek e o movimento dos militares pela tomada do poder foram fatos comentados nos balcões da loja, onde os compradores eram atendidos pelo meu pai e meu avô”, afirmou Mario Rizkallah.

Nos anos 1970, o estabelecimento começou a adotar novas tecnologias de comunicação, como o telemarketing, para se adaptar às mudanças do mercado. “Precisávamos evoluir para acompanhar as novidades, mas sem perder a essência do atendimento que sempre nos diferenciou”, disse Mario. Em 1997, a loja inovou, ao montar um site – algo raro para a época – no qual o cliente podia pesquisar produtos, preços, prazos de entrega e solicitar orçamentos.

Nova filosofia de trabalho – Em 2014, a artista plástica Adriana Rizkallah – esposa de Mario e integrante da diretoria da Casa da Boia – assumiu as áreas de Projetos e Patrimônio da loja, implantando uma nova filosofia de varejo. A empresa buscou proporcionar aos clientes e fornecedores uma experiência que integrasse a história e a arquitetura do local aos negócios. Adriana liderou a restauração e conservação de várias áreas da loja, incluindo o porão e o salão de vendas.

Hoje, por exemplo, tubos de cobre são destacados na decoração e no mobiliário. “Nosso objetivo é valorizar o ofício, o artesão e a pequena indústria. Clientes se tornaram fornecedores de uma linha de produtos voltada para o uso pessoal”, afirmou Mario, referindo-se à nova variedade de itens vendidos na loja, como peças artesanais, de decoração, de gastronomia e utilidades domésticas.

A quarta geração da família Rizkallah também participa da modernização da Casa da Boia. Luiza Rizkallah, filha de Mario, gerencia a presença da empresa nas mídias sociais. Aos 25 anos e atuando como confeiteira, Luiza mantém seu vínculo com o negócio familiar, ajudando a conectar a tradição do estabelecimento às novas gerações. O trabalho tem rendido resultados. Apenas no Instagram, a loja tem quase 40 mil seguidores.

Rizkallah Jorge Tahan em frente à Casa da Boia no início do século XX

Museu na loja – Outro momento importante na história da Casa da Boia ocorreu em 1998, quando Mario compilou fotos, peças, máquinas antigas e documentos da empresa, e criou o Museu Rizkallah Jorge. Durante a reforma que fez na loja para instalar o museu, ele encontrou indícios da pintura original do imóvel. Diante disso, contratou uma firma especializada para reformar as paredes e as janelas feitas em pinho-de-riga da sala. Hoje, o espaço abriga itens como livros contábeis, contratos, faturas de venda, letras de câmbio, talões de cheque, plantas do imóvel e um filme em 35 mm, produzido para comemorar os 30 anos da loja, em 1928.

Ao completar 110 anos de atividades, em 2008, a Casa da Boia fez outro trabalho de valorização do seu patrimônio histórico. A direção da loja restaurou a pintura original das paredes do salão de vendas e inaugurou o novo espaço em maio daquele ano. Além da pintura, também foram recuperados os balcões originais, de 1909, que até hoje são utilizados para atender aos clientes. “Observando antigas fotos, vimos pinturas nas paredes que não estavam mais lá. Resolvi investigar e, prospectando as camadas de tinta, descobrimos os desenhos originais que também restauramos para comemorar os 110 anos”, disse Mario Rizkallah. “Agindo dessa forma, acredito que as pessoas que entram na loja sentem que na Casa da Boia existe respeito pelas suas raízes, pela memória e pela história, sem deixar de lado a modernidade que trazemos para os nossos atendimentos”.

Os interessados em conhecer tudo isso podem acompanhar as visitas mensais realizadas na loja e guiadas por dois historiadores. Os visitantes exploram tanto o estabelecimento quanto o Museu Rizkallah Jorge, onde conhecem a trajetória da Casa da Boia e seu vínculo com a história da cidade de São Paulo. As visitas duram cerca de duas horas e são limitadas a 30 pessoas por grupo.

Texto crédito: Bruna Galati

IMAGENS: Eduardo Grigaitis e Acervo Casa da Boia

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