Centro de São Paulo é novo polo de livrarias especializadas

Com foco em publicações independentes, textos escritos por mulheres e livros sobre arquitetura e autores imigrantes, como a Aigo (na foto), essas lojas criaram novo circuito literário

Na contramão de megastores, como a Saraiva e a Cultura, pequenas livrarias têm aberto as suas portas pelo centro de São Paulo e vêm se destacando por se especializarem em nichos. Arquitetura, diásporas, arte, produções independentes e outros temas ditam o tom de cada negócio.

Há pouco mais de um mês, as sócias Agatha Kim, Paulina Cho e Yara Hwang deram vida à Aigo Livros, no número 453, da rua Ribeiro de Lima.

Totalmente em sintonia com o bairro onde está localizada, o Bom Retiro, a nova loja se dedica a preservar o movimento histórico da região e é especializada em autores imigrantes.

Há mais de 140 anos, o entorno recebe italianos, judeus e coreanos e tantas outras comunidades que deixaram seu país de origem. 

Além de toda a carga cultural que carrega, trata-se da primeira livraria do bairro em décadas, mesmo abrigando em sua vizinhança tantos aparelhos culturais, como a Pinocoteca, a Oficina Cultural Oswald de Andrade e outros museus.

Ao contar sobre o processo de criação do negócio, Agatha relembra que o trio buscava algo que as reconectasse com o bairro, onde cresceram juntas.

Distante por alguns anos após a adolescência, um reencontro as fez perceber um mesmo desejo em comum: unir arte e identidade em um negócio que perpetuasse a história de três amigas brasileiras, filhas de pais coreanos que migraram para o Brasil entre meados das décadas de 1960 e 70.

“Esse projeto surgiu em um contexto de autodescoberta de nós três. À essa busca por nossa ancestralidade, e sobre quem a gente era como filhas de coreanos, como filhas de imigrantes”, diz Agatha. 

Com livros das diásporas leste-asiática, hispana falante, leste-europeia e árabe e outras migrações, estão mais de 2 mil títulos. São obras em português, mas também nas línguas originais.

Nascidas e criadas no Brasil, Agatha, Yara e Paulina cresceram pautadas nos valores da Coreia dos anos 70, ouvindo pais e avós falando em coreano e sentiram a dificuldade de encontrar seu próprio lugar em uma cultura distinta.

Daí, a necessidade de dar mais visibilidade a povos sub-representados no universo literário acessível para o público no Brasil. Foi a partir de muitas dessas obras que as três conseguiam se sentir representadas e traçavam paralelos entre personagens e sua vida pessoal, segundo Agatha.

Tudo foi organizado e materializado em menos de três meses e com recursos próprios, em um processo que Agatha gosta de definir em uma expressão coreana “ppalli ppalli”, que em português, significa rapidamente. 

A pequena livraria, de 60 metros quadrados divididos em dois andares, fica próxima à estação da Luz, entre a movimentada Rua José Paulino e a Praça Brasil-Coreia.

A loja está dentro de uma galeria, o Centro Comercial do Bom Retiro, inaugurado na década de 1960 com projeto do arquiteto polonês Lucjan Korngold. Lá existem desde barbearias e salões de beleza coreanos a restaurante grego e lojas de roupas.

Ao contar para a família sobre o ponto escolhido para o negócio, Agatha se surpreendeu, ao descobriu que a própria avó teve um comércio lá, nos anos 1980.

CIRCUITO LITERÁRIO

Casa de três livrarias especializadas, a Galeria Metrópole, na avenida São Luiz, é o endereço do Sebo IP, especializado em exemplares raros e esgotados de arte – todos muito bem conservados, sem poeira nem mofo e, às vezes, até novos.

Já a HG Publicações que desde 2020 funcionava na avenida Higienópolis, como a Banca Higienópolis, ganhou um espaço maior na galeria Metrópole. Ali, a curadoria é focada na autoria preta, indígena e LGBT+ e os planos são ainda mais ambiciosos. A HG deve começar a publicar seus próprios livros até o início de 2024.

É ali também que está a livraria Eiffel, focada em arquitetura e urbanismo. Aberta em dezembro de 2022, a nova livraria estende-se por um pé-direito de oito metros de altura no piso térreo do edifício residencial e está dividida em dois andares, que juntos somam 75 metros quadrados.

Também neste circuito literário desde 2021, a Gato Sem Rabo só vende livros escritos por mulheres e promove discussões acerca do feminismo.

Fundada na Santa Cecília, na avenida Amaral Gurgel, a loja é toda ambientada numa proposta estética que conversa com a atmosfera do centro da cidade – o espaço mantém as pichações e intervenções pré-existentes no lado de fora do estabelecimento. Lá dentro, sofás, luzes amarelas e paredes cobertas de livros, deixam o clima mais neutro e intimista.

A cinco minutos dali, chegamos à Banca Curva, de publicações independentes. Ali, o público encontra a produção de cem parceiros, entre pequenas editoras, artistas e designers.

São livros, gravuras, prints e dezenas de objetos criativos – fruto de uma curadoria de Rodrigo Motta que, em 2017, saiu de um trabalho CLT em busca de um espaço próprio para expor e vender a arte que produzia.

Morando em Ermelino Matarazzo, na zona leste, Motta cogitou o centro de São Paulo porque sua namorada trabalhava e vivia por ali e apostava na região para ter clientes. Com aluguéis caros, encontrou uma banca e teve a ideia de criar uma livraria ao inaugurar a Banca Curva em 2018.

Nessa mesma época, a Ponta de Lança abriu as portas, na Santa Cecília, para vender os livros de seu fundador, Bruno Eliezer, que tinha uma biblioteca especializada em literatura brasileira e hispânica.

No mesmo trecho, a Banca Tatuí é a mais antiga. Foi aberta em 2014 e comercializa apenas publicações independentes.

Crédito texto: Mariana Missiaggia/DC

IMAGEM: Divulgação/ Nathalie Artaxo

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