Quarta geração do hotel San Raphael aposta no despojado restaurante Virado SP

Inaugurado há um ano no lobby do hotel de 1970, no Largo do Arouche, o restaurante ocupa uma área há tempos desativada, onde antes funcionou o Arouche Beer. Na foto, Eddy, Gregório, Raphael e Jorge, todos da família Jafet, que toca o San Raphael

Por Mariana Missiaggia/Diário do Comércio

A trajetória de uma família de libaneses que chegou ao Brasil em 1915 é bem contada em uma das regiões mais tradicionais de São Paulo, o Largo do Arouche. Por ali, o hotel San Raphael, construído por Michel Assad em 1950, é administrado pela família desde 1970 – e segue assim até hoje, com dois integrantes da quarta geração conduzindo o negócio.

No último ano, o tom tradicional do lugar que hospeda turistas há mais de 70 anos ganhou um ar mais despojado com a inauguração do restaurante Virado SP. Assim como outros empresários da região, Gregório Jafet, bisneto do fundador, conta que a família decidiu apostar em algo que tivesse uma veia mais criativa e que conversasse com o movimento de revitalização do Centro. 

Por lá, cozinhas tradicionais, como o Gato que Ri e La Casserole, que antes pareciam isoladas, nos últimos tempos têm ganhado companhia. Foram dois anos de reforma e cerca de R$ 2 milhões de investimento para mudar a cara do espaço. O local, que agora abriga o Virado SP, já foi uma agência bancária, um bar de drinks e, por fim, o Arouche Beer, uma choperia com buffet por quilo, até ser desativada. Durante a pandemia, veio a necessidade de reinventar a área, diz Gregório.

Na época, seu avô, por conta da idade (96 anos), se afastou da operação, e o conselho familiar, formado por seus tios e irmão, decidiu apostar em algo arrojado, que valorizasse o comércio de rua. A família já enxergava o potencial gastronômico da região – até mesmo como função urbanística, a exemplo do que ocorreu com a Casa do Porco, aponta o empresário.

Para isso, queriam que hotel e restaurante se conectassem não apenas pelo mesmo endereço, mas pela história empreendedora de seu fundador. Gregório recorda que, quando seu bisavô chegou ao Brasil, na década de 1940, viajava pelo interior vendendo mercadorias e, aos poucos, construiu o prédio que, futuramente, abrigaria o hotel San Raphael. Naquele tempo, todo o sustento e trabalho do patriarca girava em torno desse movimento migratório, detalha o bisneto.

Na ambientação do restaurante, as paredes estampam fotos antigas da família e do hotel, máquinas de escrever também estão penduradas nas colunas, malas antigas e bules esmaltados ajudam a contar que, apesar de toda a modernidade com a qual o ambiente foi projetado, o pano de fundo daquele lugar tem muita história para contar.

O mesmo acontece nas mídias sociais, onde as postagens são intercaladas entre fotos bem produzidas de drinks e pratos e outras em preto e branco, que contam curiosidades do endereço, como um antigo castelo com ares do século 19 que tem sua fachada tombada e passa quase despercebido na vizinhança.

“A valorização da imigração e outras culturas sempre foi um eixo para nós, pelo nosso histórico e por sermos um hotel. Se a nossa visão sempre esteve direcionada aos imigrantes, a nossa cozinha também deveria estar”, diz.

Foi assim que Benê Souza, o chef responsável pela elaboração inicial do cardápio do Virado, reuniu tradições de várias culturas para inspirar o menu do restaurante. Nessa lista está a língua tonnato, variação do original italiano feito de vitelo, ao molho de maionese de atum com picles e alcaparra, mais avelã e salsa (R$ 32). Também vem da Itália o crudo, miolo de alcatra picado em cubos com alcaparra, queijo tulha, limão-siciliano e azeite de manjericão com pastel de vento (R$ 40).

A repercussão, segundo Gregório, tem sido tão positiva que o restaurante já entrou para o circuito gastronômico do Centro, sendo compartilhado por muitos influenciadores nas redes sociais. Durante a semana, o menu executivo é majoritariamente apreciado por quem trabalha na região – 40% da clientela é originária do próprio hotel.

No dia a dia da operação, Gregório diz gostar de ouvir os clientes e adaptar o que é preciso. A partir dessas conversas, surgiram mudanças como a inclusão de pratos vegetarianos e novas opções na carta de vinhos. No cardápio, além das criações autorais, há também espaço para os pratos comerciais, como o mais vendido, que é a parmegiana, e opções como bife acebolado e galeto.

A operação de um restaurante dentro de um hotel apresenta desafios, conta o empresário. Enquanto um restaurante de rua tem seus horários fixos, o hotel, que opera 24 horas por dia, possui uma dinâmica que permite ao Virado SP expandir seu horário de funcionamento, especialmente nos fins de semana, para atender aos hóspedes.

Com 25 funcionários fixos, o próximo passo do Virado SP será oferecer serviço de delivery e room service. Hoje, o restaurante interno do hotel serve cerca de cem refeições por dia no almoço e quatrocentos cafés da manhã. De olho nessa demanda, Gregório diz enxergar um potencial de sinergia entre os dois negócios. Além disso, a estratégia do hotel é atrair ainda mais hóspedes por meio da experiência gastronômica oferecida pelo Virado SP.

A história do San Raphael

Em uma época em que a hotelaria viveu o glamour de uma arquitetura inspirada nos prédios e nos movimentos artísticos das cidades europeias, com decoração e movelaria que remetiam ao luxo e funcionários que tratavam cada hóspede pelo nome, o San Raphael, que originalmente teve o nome de Lord Hotel, esteve entre os melhores de São Paulo.

Em entrevistas sobre a história do empreendimento, Raphael, avô de Gregório, cita hóspedes, como Hebe Camargo, Édith Piaf, Roberto Carlos e Erasmo Carlos. A dupla de cantores, inclusive, chegou a morar por alguns meses no hotel, onde compuseram algumas músicas, segundo relatos do hoteleiro. O empreendimento também serviu de Central de Jornalismo para a transmissão das provas de Fórmula 1 na década de 1970.

Engenheiro Civil de formação, Raphael exerceu a profissão até meados dos anos 1970, quando começou a se apaixonar por hotelaria. Genro de Michel, que havia construído o prédio, Raphael herdou a missão de reformar o hotel, que não estava em boas condições quando foi entregue, e mantê-lo como patrimônio da família – e foi bem-sucedido. Com o tempo, recebeu até propostas de redes internacionais para vendê-lo.

Em suas falas sobre o San Raphael sempre deu destaque aos apartamentos. São todos de frente para o Largo do Arouche e para a Avenida São João. Todos vastos e com janelas, enquanto o padrão de hoje são espécies de quitinetes adaptadas para servir a uma hotelaria mais enxuta.

“Temos história e temos excelência. No hotel é a hotelaria e no restaurante teremos sempre o melhor ingrediente guiado por boas ideias. Há quem saia do Morumbi e venha ao Centro para provar um drink. Queremos ser esse local, a razão para que muitos venham ao Centro”, disse Gregório.

Crédito imagem: Divulgação

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