Mesmo quem não assistiu à série Coisa Mais Linda tem na memória os maiôs da década de 1950, o vestido de casamento da personagem Adélia Araújo, a jaqueta mostarda dos anos 1920 usada pela personagem Adelaide em Éramos Seis, ou os figurinos impecáveis da personagem Elis no filme Elis Regina. Essas peças, que transportam o telespectador para outras épocas, estão reunidas em um antigo edifício rosa no Centro de São Paulo.
Localizado na rua Roberto Simonsen, o prédio, que um dia foi o primeiro cartório da capital, hoje abriga a Casa Juisi, o maior acervo de figurinos do Brasil. São mais de 60 mil peças, que datam do século XVII até a atualidade. “Uma casa que já foi um despacho de documentos agora seria de despacho de figurinos”, brinca Junior Guarnieri, 52, fundador da Casa Juisi.
Logo na entrada, os móveis antigos, que se assemelham aos usados no Brasil Império, e réplicas de armaduras medievais fazem o visitante voltar no tempo. Do lado direito, perto dos janelões, um mostruário de figurinos enfeita o local como uma grande vitrine das peças.
Vestidos de festas, um armário com acessórios e bonecas antigas, chapéus dos anos 60 com as caixas usadas para transportá-los, máscaras de lutadores dos anos 90, como as usadas na luta livre mexicana, sapatos, casacos de pele para o inverno europeu, malas e joias de diferentes lugares e épocas completam o ambiente, distribuído em dois andares.
Guarnieri conta que o negócio começou como um brechó no bairro do Jardins, com uma variedade de peças exclusivas, mas acabou mudando de rumo. Em vez de vender as roupas, decidiu que elas seriam locadas. Fatores como a valorização do dólar, que encarecia a reposição constante das peças, e o fato de desejar trabalhar com o audiovisual contribuíram para a mudança. Com a troca da atividade, também veio a troca de endereço, aproveitando o movimento de revitalização do centro histórico da capital.
A curadoria para selecionar as peças leva em consideração o que pode interessar aos figurinistas. A busca envolve viagens para o exterior, visitas a brechós e até mesmo ao guarda-roupa de falecidos. “Não basta serem roupas velhas, elas precisam ter algo diferente”, diz Guarnieri.
A locação é cobrada por semana, e o preço dos itens varia de R$ 5 até R$ 3,5 mil. Guarnieri conta que muitos figurinistas passam dias seguidos frequentando Casa Juisi quando estão trabalhando para longa-metragem ou novela. Nesses casos em que o figurino vai passar semanas fora, Guarnieri explica que o contrato de locação pode mudar.
O acervo conta com peças que remetem ao século XVII, sendo réplicas nesses casos que envolvem itens mais antigos. Mas a partir dos anos 1930 começam a aparecer as peças originais. Guarnieri comenta que é cada vez mais difícil encontrar peças originais. Hoje, mesmo as dos anos de 1990 são raras, diz.
Os diferentes figurinos podem ser locados para produções televisivas, séries, ensaio fotográfico e campanhas publicitárias, como o famoso comercial de 70 anos da Volkswagen, que recria Elis Regina cantando “Como Nossos Pais” ao lado da filha. O figurino utilizado é da Casa Juisi.
A única restrição de Guarnieri é locar para festas, pelo risco de a peça acabar danificada. Em casos de peça estraga ou perdida, há a opção de o cliente comprar uma similar para repor o figurino.
Mesmo com mais de 60 mil figurinos no prédio, Guarnieri ainda consegue lembrar de cada peça do seu acervo, da marca e de onde veio. “Esses dias eu fui assistir, por acaso, a série Entre Irmãs, da Netflix, porque gosto muito dessa estética do Nordeste, e em certo momento mostrou uma cena do Carnaval dos anos 1930 e percebi que as roupas eram do meu acervo”, diz.
Entre as produções que usaram figurinos da Casa Juisi está o clássico filme Zezé Di Camargo e Luciano. Há ainda grandes produções, como o filme do cantor Ney Matogrosso, a cinebiografia “Meu nome é Gal”, a série “Irmandade” e a lançada recentemente na Netflix que conta a trajetória de Ayrton Senna, além do filme do Silvio Santos.
Junto aos figurinos marcantes, faz parte do mostruário uma poltrona verde, com diferentes acentos, que pertenceu a Myrthes de Campos, nascida em 1875, a primeira mulher a se formar em direito no Brasil.
Além da Casa Juisi, Guarnieri tem um acervo para museologia que possui roupas originais da Rita Lee, do primeiro desfile do estilista Alexandre Herchcovitch, da Elke Maravilha e de outros artistas que fizeram parte da história da indústria audiovisual. “Faltam incentivos para realizar uma exposição com essas roupas”, diz.
A Casa Juisi funciona de segunda a sexta, das 10h às 18h. As visitas devem ser agendadas pelo telefone (11) 3063-5766.
Crédito texto: Rebeca Ribeiro/Diário do Comércio
Crédito imagem: Casa Juisi/Divulgação