Escavações no Centro Histórico revelam os trilhos dos primeiros bondes que rodaram em SP

Datado de 1900, trecho recém-descoberto sai da rua 15 de Novembro e desce a ladeira General Carneiro no sentido do parque Dom Pedro II

Datado de 1900, trecho recém-descoberto sai da rua 15 de Novembro e desce a ladeira General Carneiro no sentido do parque Dom Pedro II

Foi em uma segunda-feira. Em 7 de maio de 1900, a cidade de São Paulo via a inauguração de sua primeira linha de bondes elétricos. Ligava o largo de São Bento à Barra Funda, na região central. “Em 1900 as chácaras que ainda restavam em torno da cidade estavam virando bairros”, escreveu Roberto Pompeu de Toledo no livro A Capital da Solidão, sobre as origens paulistanas.

Nos primeiros tempos, 15 unidades circulavam, cada uma com capacidade para 45 passageiros sentados. O município tinha 240 mil habitantes, 2% da população atual. A concessão havia sido dada à São Paulo Raiway, Light and Power Company, ou simplesmente Light, como ficou conhecida. Quase sete décadas depois, espremidos pelos ônibus e pela crescente frota de automóveis, os bondes desapareceram – a última viagem na cidade foi feita em 27 de março de 1968. Mas nunca deixaram de fazer parte da história paulistana.

E como se fosse para provar que nunca deveriam ter deixado de existir, de tempos em tempos vêm à tona. Literalmente. Como aconteceu agora durante obras de restauração nos calçadões do Triângulo Histórico do Centro.

Com as escavações, foram encontrados trechos de antigos trilhos de bondes movidos a tração elétrica. “Essas linhas, que circularam até o final dos anos 1960, conectavam os largos São Bento e do Tesouro a bairros como Brás, Penha e Pari”, afirmou a prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria de Cultura e da Economia Criativa e da São Paulo Obras (SPObras), vinculada à Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras.

No trecho que inclui a ladeira General Carneiro, que vai dar no Parque Dom Pedro II, e a praça Manoel da Nóbrega, esquina com a 15 de Novembro, foi encontrado “um raro exemplar de trilhos em curva”. O local está ao lado da rua Boa Vista e fica a poucos metros do Pátio do Colégio.

Segundo a prefeitura, esse trecho “será preservado e exposto no local como parte importante da memória histórica da cidade”. Foi iniciado um projeto de “musealização”, que de acordo com a administração municipal está em fase de aprovação pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

O arqueólogo Vinícius Dian Martin, que coordena o monitoramento das obras no local, acredita que a linha descoberta vá até o final da General Carneiro, para baixo, até o início do parque Dom Pedro. Ainda não existia o Viaduto Boa Vista – que fica sobre a ladeira –, projetado pelo arquiteto Oswaldo Bratke (vencedor de concurso realizado em 1930) e inaugurado em 24 de junho de 1932, pouco antes da Revolução Constitucionalista.

“Por não ter tantas modificações, o Triângulo Histórico preserva áreas mais antigas. Nossa expectativa é encontrar mais [linhas] na 15 [de Novembro]”, afirmou Martin.

Entre as ideias já sugeridas, está até criar uma pequena linha de bonde para passeios turísticos e elaborar uma exposição de rua permanente. “Não adianta preservar se não tiver um trabalho educativo.” O local já foi marcado como Área de Interesse Arqueológico.

A também arqueóloga Lucia Juliani, diretora técnica da empresa de assessoria A Lasca, que acompanha as obras, ressalta a importância à época da expansão das linhas de bonde para o deslocamento urbano. “À medida que a Light foi ocupando outros trechos da cidade, ela foi levando o bonde. Não estava levando só energia, mas também transporte”, afirmou.

A concessão do poder público incluía produção e venda de energia elétrica e criação de sistemas de transporte. Naquele mesmo ano de 1900, a Light incorporou a Companhia Viação São Paulo, que operava na cidade com bondes de tração animal (puxados por burros). As recentes escavações já revelaram outros trilhos, como os da rua José Bonifácio, bem perto da linha da General Carneiro – esta parece estar mais completa. A sequência das obras mostrará. “É a história das pessoas que está passando ali”, disse Lucia.

Com 10 anos, o menino Oswald de Andrade presenciou a novidade que agitava São Paulo. E escreveria em suas memórias.

“A tarde caía. Todos reclamavam. Por que não vem? (…)

Anunciava-se que a primeira linha construída era a da Barra Funda. É pra casa do prefeito! – O bonde deixava o Largo de São Bento, entrava na Rua Libero Badaró, subia a Rua São João, entrava na Rua do Seminário. (…)

Um murmúrio tomou conta dos ajuntamentos. Lá vinha o bicho! O veículo amarelo e grande ocupou os trilhos do centro da via pública.”

De fato, o então prefeito Antônio Prado morava na Barra Funda, lembrou o escritor Pompeu de Toledo. Além de Oswald, o bonde paulistano passeou pela literatura de Antônio de Alcântara Machado, na trágica história de Gaetaninho, publicada na quase centenária coletânea Brás, Bexiga e Barra Funda – o livro foi publicado em 1927.

A última viagem de bonde pela cidade de São Paulo, em 1968, começou no Instituto Biológico, na Vila Mariana, passou pelo Ibirapuera e foi até o largo 13 de Maio, em Santo Amaro, na Zona Sul. O governador Abreu Sodré e o prefeito Faria Lima estavam entre os passageiros. Era o bonde 1.543, conduzido pelo motorneiro Francisco Lourenço Ferreira, liderando um cortejo de 12 composições, onde se viam faixas com a inscrição: “Adeus. Nasce a Nova São Paulo”.

Em pouco tempo, a cidade do bonde se tornaria a capital do automóvel e do trânsito incontrolável – que nem o metrô, surgido em 1974, conseguiu amenizar.

Crédito texto e imagem: Vitor Nuzzi – Agência DC News

Descubra mais no Youtube!