Coronel Salles: ‘A Cracolândia diminuiu porque se tornou desinteressante’

De volta ao comando da Subprefeitura da Sé, o ex-comandante-geral da PM deve manter o foco em zeladoria e segurança, seguindo a receita de seu antecessor, o Coronel Álvaro Camilo

Um trabalho de continuidade. Esse é o propósito do Coronel Marcelo Vieira Salles, 58, ao reassumir a Subprefeitura da Sé em março último, conforme antecipado pelo Diário do Comércio, sucedendo o Coronel Álvaro Camilo, que assim como ele, foi comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo.

Com esse histórico, uma das prioridades da primeira gestão de Salles à frente da Subprefeitura, de 2021 a 2023, que continua na nova fase, é a segurança pública, cujas ações devem ser combinadas com as de zeladoria, para garantir o ordenamento urbano do Centro da Capital paulista, região com população flutuante diária de 2 milhões de pessoas, e onde cerca de 682 toneladas de lixo são recolhidas diariamente. 

As ações conjuntas com o governo do Estado, mais o aumento do efetivo policial que circula pela região da Sé, segundo ele, diminuíram consideravelmente o fluxo na Cracolândia e levaram à prisão cerca de mil criminosos com o reconhecimento facial das câmeras do Smart Sampa. Tudo isso em conjunto com as iniciativas de acolhimento e encaminhamento para programas sociais ou de recolocação profissional, que refletem diretamente no aumento da frequência e na melhoria da qualidade do uso do Centro.

“A Prefeitura pode contribuir para a segurança pública quando organiza os espaços públicos, ordena o território, cuida da zeladoria urbana, diminui o lixo ou aumenta a iluminação pública. Quando se consegue essa gama de ações, começamos a inferir uma percepção de segurança e convívio para todos, além de uma sensação de pertencimento”, diz. 

Salles, que tinha saído da pasta em 2023 para assumir uma vaga na Câmara dos Vereadores, voltou para a Subprefeitura a pedido do prefeito Ricardo Nunes. Além da experiência de mais de três décadas na PM, onde liderou diversos Comandos, o coronel da reserva é doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pela Academia Militar do Barro Branco, bacharel em Direito e diplomado em Política e Estratégia pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (Adesg). Também foi responsável por criar Conselhos Locais de Comércio e pela lei que reestabeleceu o Requalifica Centro.

A seguir, o subprefeito detalha como pretende conduzir a sua nova gestão à frente da Subprefeitura da Sé, assim como as ações para cuidar de oito distritos e um orçamento de R$ 137 milhões. Confira:

Diário do Comércio – Seu antecessor, o Coronel Camilo, disse em 2023 que queria transformar o Centro em um lugar amigável para a população, pois muita gente ainda tem um certo preconceito em ir para a região. O que há de diferente agora no Centro em relação à sua gestão anterior (entre 2021 e 2023)? 

Coronel Marcelo Vieira Salles – O Centro é um dos lugares mais seguros da cidade. Após terminar o mandato na Câmara Municipal, retornei aqui à Subprefeitura da Sé a convite do prefeito para suceder o Coronel Camilo. Eu falo suceder, nunca substituir, porque substituir infere uma ideia de ruptura, de recomeço, e não é. É uma sucessão. Então, sim, eu estou sucedendo o Coronel Camilo como se fosse uma corrida de bastão. Eu peguei uma Subprefeitura melhor do que deixei, do que quando assumi da primeira vez, em condições muito adversas. Porque foi na pandemia, quando tínhamos comércios fechados, baixa circulação e baixa autoestima da população.

E muita gente que veio morar aqui no Centro, na rua. 

É, pessoas em situação de vulnerabilidade. Então, começamos um processo que chamamos de prevenção primária, que reflete diretamente na segurança pública. E a nossa ideia é continuar com esse processo de melhorar essa prevenção, manter a ordem urbana.

O conceito de prevenção primária, originalmente, é um conceito da medicina. Na medicina, prevenção  primária é fazer exames médicos regularmente, tomar todas as vacinas, não ingerir álcool, ter uma vida regrada… Esse conceito de fazer os seus check-ups, de prevenção primária, nós trouxemos para a segurança pública.

A Prefeitura pode contribuir para a segurança pública quando organiza os espaços públicos, quando ordena o território, quando cuida da zeladoria urbana, diminui o lixo ou aumenta a iluminação pública. Quando consegue essa gama de ações, começa a incutir uma percepção de segurança e de convívio na população. As pessoas passam a ter uma sensação de pertencimento do território, da praça em frente à sua casa, da rua onde mora… Afinal, são 500 mil pessoas que moram na região da Subprefeitura Sé.  

Quinhentas mil pessoas moram na área coberta pela Subprefeitura da Sé? 

Sim, é a população residente, a mesma população de São José do Rio Preto. Porém, a flutuante é de 2 milhões de pessoas por dia nos vários modais: metrô, trem, bicicleta, ônibus, carro, a pé. Nós temos por dia 2,5 milhões de pessoas numa área de 26 quilômetros quadrados. Estamos falando de ‘meio Uruguai’, que tem 5 milhões de habitantes. Das 6 horas à meia-noite, temos meio Uruguai circulando só no Centro, da Avenida Paulista à Marginal Tietê, da Cardoso de Almeida, no Pacaembu, até a Avenida do Estado com a Cruzeiro do Sul.

São 1.105 ruas, 173 praças públicas, 56 mil árvores… É uma responsabilidade gigantesca com a qual o prefeito me honrou, e vou trabalhar dia e noite para cuidar desses oito distritos, desses 25 bairros, com a atenção que a população merece e requer do poder público.

Seu antecessor investiu em zeladoria e segurança para melhorar o ambiente, a frequência, a prevenção primária. Quais os desafios que o senhor tem que enfrentar hoje?

Estamos com o mesmo número de pessoas, porém, com uma responsabilidade maior pelo que já foi implementado, mas também com mais condições de trabalhar. Tivemos a Operação Centro Limpo, com resultados fantásticos, e o advento da Operação Delegada, que na minha época tinha 300 policiais militares no Centro, mas hoje tem 1,2 mil, um aumento de 400%. 

Nós temos outros marcos na gestão pública municipal, como o plano das avenidas Prestes Maia (região da Luz) e Faria Lima. A Lei Cidade Limpa, marco da cidade na gestão Gilberto Kassab. E agora um marco da gestão Ricardo Nunes, que é o Smart Sampa, um equipamento fantástico que alia tecnologia com a prestação de serviços da Guarda Civil Metropolitana. 

Agora tem até o ‘Prisômetro’ (painel digital com dados de segurança pública em frente à central do Smart Sampa, na rua 15 de Novembro, Centro Histórico). 

Isso. Já temos mais de 1 mil pessoas presas entre pedófilos, roubadores, traficantes, membros de facção criminosa… Todos presos pelo reconhecimento facial do Smart Sampa. E pelo aumento do efetivo da Guarda Civil, que subiu de 5 mil para 7,5 mil. Tem um trabalho belíssimo feito pelo Governo do Estado em conjunto com a Prefeitura na segurança pública, em parceria com o secretário Guilherme Derrite, e uma série de estruturas que foram aportadas nesses últimos dois anos e que nos dão uma condição melhor para trabalhar.

E na área social?

Nós temos na área social e habitação o programa Reencontro, que abriga famílias inteiras, os hotéis sociais, os locais de acolhimento para pessoas LGBTQIA+, centros de abrigo em que a pessoa em vulnerabilidade pode levar o seu cão, que ele será acolhido… Existe uma rede de vagas: temos hoje na cidade de São Paulo 29 mil vagas para essas pessoas. O Censo de 2022 acusava uma população de rua de 31,5 mil pessoas em situação de calçada. A Prefeitura fez um trabalho hercúleo para diminuir esse número. Hoje nós estamos quase chegando nos números do último censo.

Isso, aliado ao fato de fazermos um trabalho muito detido nas cenas abertas de uso, que são os dependentes de crack, álcool e outras drogas. Temos o hub do Governo do Estado, ali perto do Parque da Luz, que faz um trabalho fortíssimo para receber as pessoas. Ao lado, temos o acolhimento de trabalho nos CATEs, né, o Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo. O POT (Programa Operação Trabalho), onde essas pessoas, além de trabalhar quatro horas e receber, podem fazer cursos de duas horas de pintor, de pedreiro, para fazer a conservação nas praças, em especial nas áreas ajardinadas. É um trabalho gigantesco.

Depois do problema dos ataques a lojistas em 2023 e 2024, que levou a Prefeitura até a oferecer isenção de IPTU, como está a situação na Cracolândia hoje? 

Em 2017, nós tínhamos 4 mil pessoas nas cenas abertas de uso. Hoje, temos medido todos os dias, e há cerca de 400 pessoas. É uma diminuição gigante. O problema não foi solucionado ainda, há muito o que se fazer, mas diminuiu muito. Às vezes falam: ‘Coronel, a Cracolândia só diminuiu porque se espalhou’. Não é isso. Diminuiu porque se tornou desinteressante.

Em que sentido?

Desinteressante porque você tem uma segurança pública muito mais atuante. Você tem abordagem de dependentes químicos que, por vezes, estão com medidas cautelares expedidas pela Justiça. Ou seja, não podem estar na rua depois das 19h, não podem frequentar bares, nem locais com cenas abertas de uso… Quando essas pessoas descumprem essas regras, são presas e é dada ciência à Justiça do não cumprimento da medida.

E aí o juiz verifica se recolhe ao aprisionamento ou manda para alguma comunidade terapêutica, se toma alguma medida nesse sentido. Então, com essas medidas que eu falei, que não existiam na nossa época e hoje existem, há uma condição melhor para trabalhar. Diante desse cenário, trabalhamos dia e noite para atender à população como ela merece.

Hoje, temos um grupo de trabalho de segurança composto pelo vice-governador, vice-prefeito, secretário de segurança, Subprefeitura da Sé, Polícia Militar, Polícia Civil, Guarda Civil Metropolitana, todas as estruturas para integrar as melhores decisões para o Centro, o que vai refletir diretamente no aumento da frequência e na melhoria da qualidade do uso da área central como um todo.

Fora a questão da segurança, o que começou na sua gestão anterior e avançou com o Coronel Camilo?

Nós temos hoje 150 jardins de chuva, 39 ainda foram feitos na minha época e nós estamos continuando esse programa. Continuamos também com ações de drenagem muito grandes. Nós tínhamos um problema grave na Rua Porto Seguro, ali perto da Igreja da Cruz das Almas, na região da Avenida Cruzeiro do Sul. Hoje, temos um trabalho que já está sendo concluído, com quase 9 metros de profundidade na rede de águas pluviais.

Nós temos na rua Una, ali próximo do Bixiga também, um de quase 8 metros, que também está solucionando um problema grave, outro de águas pluviais na Lins de Vasconcelos, que repercutia diretamente no Cambuci. Junto com a Sabesp, fizemos intervenções muito importantes na rua Teixeira Leite, na rua Otto Alencar, na rua Lavapés… Mas o trabalho ainda continua com relação à drenagem.

E quanto à gestão do lixo? 

Nós temos uma preocupação muito grande com o lixo, em especial com o descarte irregular de materiais. Infelizmente, parte da nossa população insiste em transgredir a lei, não respeitar outra parte da população. Não respeita o seu vizinho quando coloca o lixo fora do horário, quando entrega o sofá que não quer mais, a cama box que pede para uma pessoa levar, paga R$ 10. E esse material inservível reaparece, vai ser depositado embaixo do Minhocão, vai aparecer na rua do Glicério, vai aparecer nas praças públicas. É uma falta de educação ambiental, também de consciência cidadã.

Nós temos um problema também de grandes geradores, ou seja, comércios, condomínios que não contratam serviços de coleta particular, que a lei determina que assim o façam, mas eles colocam lixo fora de hora. Por vezes, pessoas em vulnerabilidade, recicladores, abrem, devassam os sacos de lixo, levam o que é lixo rico e latas e espalham lixo orgânico, dando impressão de desordem urbana. Então, a gente precisa fazer um constante trabalho para despertar a consciência ambiental das pessoas.

Recentemente, pouco antes de o senhor assumir, a barraca de uma moradora de rua que ficava próxima à Subprefeitura foi lacrada. Como está essa situação hoje?

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) com repercussão nacional com relação às pessoas em situação de vulnerabilidade, em especial as que estão em situação de calçada, foi totalmente recepcionada pelo decreto municipal da Prefeitura de São Paulo. Ele diz que as pessoas podem montar iglus das 19 horas até as 7 horas da manhã. Isso já era previsto e continua valendo.

Porém, no período diurno, não pode montar barracas nas calçadas. O porquê? Porque você tem que respeitar o direito de ir e vir das outras pessoas que trabalham, que moram, que estudam. Se não puder usar a calçada onde a pessoa monta um iglu, o pedestre tem que usar a rua, e pode ser atropelado por bicicleta, motocicleta, carro ou cair.

O objetivo do poder público, da norma, das leis, dos decretos, é regular a vida em sociedade. Então, esse decreto também visa isso: que a gente possa respeitar pessoas que estão em situação de vulnerabilidade, e que muitas vezes não aceitam, não querem acolhimento. E a lei não obriga que eles aceitem, e nem permite que a população, que a Prefeitura, que o poder público recolham forçadamente essa pessoa. Ela pode falar: ‘Não, eu não quero, eu quero continuar na rua’. Mas também tem que respeitar o direito de ir e vir das outras 2 mil, 2,5 mil pessoas que andam no Centro de São Paulo, né? É um desafio gigantesco cumprir a lei e atender a todas as pessoas.

O secretário Marcos Monteiro, de Infraestrutura, disse que a entrega dos calçadões do Centro ficou para 2026, mas muitos comerciantes reclamam das obras, que atrapalham o fluxo. O que dá para fazer para minimizar isso?

Eu entendo a ansiedade dos comerciantes, das pessoas que moram no Centro, é justificada, é razoável… Mas do jeito que estava, não dava. Nós estamos falando de uma cidade que possui mais de 500 anos, e que começou a 100 metros daqui, no Pátio do Colégio. Quando se fala de reformar calçada, eu não estou falando somente da cobertura de cimento, eu estou falando de disciplinar o subsolo, um subsolo de 500 anos, onde você pode encontrar peças de arqueologia, você pode encontrar cemitérios, peças dos povos originários, indígenas, e materiais de interesse arqueológico, como trilhos de trem, trilhos de bonde…

Além disso, você tem décadas de instalação, de fiação telefônica de toda ordem, de empresas que não existem mais, de estruturas da antiga Light, da antiga Telesp… Se você olhar para uma esquina, vai ver que em uma área de 10 metros quadrados há 15 tampas de inspeção. 

Então, mais do que cuidar do que se vê, é preciso disciplinar o subsolo. É você colocar canaletas para a água pluvial, a estrutura da Sabesp, da rede lógica, elétrica, telefônica… Não é simples, mas não há dúvida de que ficará muito melhor do que está.

O que a Subprefeitura pode fazer para manter as pessoas no Centro depois que os comércios fecham e o horário de expediente acaba? 

A Prefeitura de São Paulo, não só a Subprefeitura, tem uma intenção gigantesca de requalificar as edificações para incentivar e ampliar a ocupação do Centro. Há uma subvenção para ocupação de retrofit, tanto comercial como residencial da ordem de R$ 1 bilhão. Essa subvenção por obra representa 25% do valor da obra a fundo perdido. Esse dinheiro, esse recurso, isenta até 25% do valor da obra em IPTU e ISS, nenhuma cidade do Brasil está fazendo isso. É para quem tem o prédio aqui conseguir retrofitar a sua edificação e fazer o uso desse prédio, dessa loja, para dar força e movimento para o Centro.

Nós temos condições de segurança muito melhores, Operação Delegada… Mas cada comércio, cada negócio tem o seu horário, depende da vocação. O objetivo é que as pessoas consigam frequentar, e fazer ações nos melhores horários.

Voltando ao retrofit, há alguma atualização?

O mais novo foi entregue no último dia 16, na Avenida Ipiranga com a Rua do Boticário, o edifício Taquari. Foi entregue ontem, é da Citas. E foi assinado o terceiro lote agora, de R$ 200 milhões, o chamamento público para que quem tem interesse em retrofitar o seu prédio ou buscar investidor consiga aderir.

Quais as prioridades da sua gestão, além da segurança – principalmente em relação ao Triângulo Histórico?

Trabalhar para que o Centro tenha as melhores condições de receber as pessoas. Houve uma mudança de esforços e logística para uma atuação maior em zeladoria, tanto no Triângulo Histórico como para o Vale do Anhangabaú e o quadrilátero da República, o chamado Centro Novo, que inclui a Conselheiro Crispiniano, São João, Ipiranga, São Luís e Xavier de Toledo.

Em resumo, a prioridade é dar as melhores condições para as pessoas poderem trabalhar, estudar, frequentar e morar no Centro. Recebemos uma determinação do prefeito para que todo dia acordemos pensando em como melhorar a vida das pessoas na cidade de São Paulo. É um trabalho contínuo, sem medir esforços, para a gente entregar a cidade que a população merece. 

Crédito texto: Karina Lignelli/Diário do Comércio

Crédito imagem: Subprefeitura da Sé/divulgação 

Descubra mais no Youtube!