Hospedagens temáticas ganham força no Centro de São Paulo

Moradores do Copan estão abrindo suas residências para receber turistas, com diárias que variam de R$ 150 a R$ 3 mil. Outros prédios históricos da região vivem o mesmo movimento associado à revitalização da região

Por Mariana Missiaggia, repórter do Diário do Comércio

Em vez de se hospedar em redes hoteleiras tradicionais, muitos viajantes têm optado por acomodações que buscam oferecer uma abordagem mais personalizada, com quartos temáticos que valem a visita por si mesmos. No caso de São Paulo, o Centro da cidade reúne opções de hospedagens do gênero em pontos históricos, como o Vale do Anhangabaú.

Em um dos mais importantes prédios da capital paulista, o Edifício Copan, projetado por Oscar Niemeyer em 1966 e que se tornou um verdadeiro marco modernista da cidade, está reunido o maior número de opções do tipo, incluindo uma cobertura de luxo com 280 metros quadrados.

A primeira experiência com hospedagem temática no Copan aconteceu por iniciativa do empresário Judson Sales, que morava no endereço desde 2009, em um apartamento de 28 metros quadrados. Ele conta que, em 2014, ao se preparar para viajar em suas férias, soube de uma pesquisadora norte-americana interessada em alugar um apartamento no endereço por um mês. “Negociei a estadia dela em minha casa durante minhas férias em troca de um iPad”, recorda.

Judson gostou da ideia e, como trabalhava em home office, passou a locar seu espaço sempre que surgia uma oportunidade, embora a administração fosse contra esse modelo de locação na época. Com o tempo, deu tão certo que resolveu morar em um apartamento maior e deixar o Copan integralmente para locação. Com o aluguel que recebia, pagava o apartamento em que estava e ainda sobrava. 

Com tantos pedidos de hospedagem, percebeu a vacância no prédio e a dificuldade que muitos potenciais inquilinos tinham em alugar acomodações para uma moradia estendida. Foi então que passou a oferecer aos proprietários a ideia de repaginar a decoração dos imóveis, tendo como contrapartida sublocá-los pelo Airbnb. 

Ele lembra que o período era contextualizado pela crise econômica de 2015/2016 e que muitos apartamentos no Copan estavam vagos. Aproveitando essa brecha, conseguiu convencer alguns proprietários a alugar seus espaços. Judson ganhava com a sublocação.

Com o tempo, passou a ser procurado por pessoas que tinham apartamentos já mobiliados para que apenas administrasse seus espaços no Airbnb. Nesse modelo, ganhava apenas uma comissão dos proprietários em cima dos ganhos deles. Ao mesmo tempo, ganhou o respeito da administração, demonstrando que estava bem alinhado com as regras do prédio.

Ele conta também que, evidentemente, os conflitos com vizinhos cresceram junto com o negócio, já que o volume de hóspedes hoje é de aproximadamente 3 mil pessoas diferentes por mês. Desse total, 45% são hóspedes da cidade de São Paulo e região metropolitana. 

“Não tem como garantir que todos os que se hospedam sejam respeitosos, mas agimos muito rapidamente para resolver problemas. Eu tento, na medida do possível, minimizar o impacto negativo do Airbnb no prédio para aqueles que moram no local”, diz Judson.

O boca a boca foi fundamental para que o projeto de residência temporária se expandisse e, aos poucos, outros moradores passaram a fazer o mesmo. A ascensão dos influenciadores digitais também ajudou nesse sentido, já que muitos fomentaram um movimento de turismo dentro da própria cidade, onde as pessoas buscam experiências únicas, mesmo que morem a poucos quilômetros de distância. Hoje, o Instagram do projeto @airbnbnocopan conta com mais de 74 mil seguidores.

Até a pandemia, era Judson quem tocava tudo – entregava cada chave na mão dos hóspedes, encontrava todos pessoalmente, organizava e limpava os espaços. Mas, com o avanço da pandemia, ele conta que o negócio explodiu. Muita gente passou a buscar o Copan como um lugar diferente para conhecer na cidade e, nesse período, mais de 80% dos hóspedes eram paulistanos. “Gente que vinha para conhecer o Copan por dentro como ideia de diversão, já que os bares e restaurantes estavam fechados”.

Ao fim da pandemia, Judson deixou seu antigo emprego para se dedicar exclusivamente ao Airbnb e aquilo que começou com apenas dois apartamentos, em 2016, foi crescendo. Em 2020, eram 16 locações. Em 2023, chegaram a 33. Atualmente, ele administra 85 apartamentos no Copan, de 74 proprietários. 

As diárias mais baixas partem de R$ 150, enquanto as mais altas chegam a R$ 3 mil. Tudo pode variar de acordo com a estrutura do apartamento: tamanho, itens de conforto. O empresário ressalta que cada apartamento tem suas características, sendo bem distintos uns dos outros, o que amplia as possibilidades de retorno da clientela.

Todas as opções ficam disponíveis em um site oficial que reúne uma lista com as características mais procuradas pelos hóspedes. De modo geral, estão divididos entre os mais desejados, econômicos, andares mais altos, com banheira, geek – tudo com apelo necessário para ser compartilhado nas redes sociais.

Há apartamentos que viram uma espécie de cinema particular, com telas de projeção de 100 polegadas e um catálogo de filmes e séries. Muitos também procuram uma seleção de apartamentos da face Oeste, onde é possível ter a experiência de assistir ao pôr do sol em São Paulo pelas janelas do Copan.

Localizado no Centro Histórico, o Copan é voltado tanto para serviços como para o comércio e tem no seu térreo negócios que movimentam visitantes do mundo todo, como o restaurante Cuia, o Bar da Dona Onça, a livraria Megafauna e a sorveteria Tem Umami. 

No térreo, há também uma loja, inaugurada em 2023, onde funciona uma recepção de apoio ao hóspede, além de servir de depósito para itens menos óbvios, como panelas de fondue, berços, colchões extras, Air Fryer. Itens que oferece sob demanda do hóspede, ajudando a reserva a ser mais completa.

Com o negócio ganhando forma, Judson diz ter contratado a primeira funcionária em regime CLT em 2017. Hoje, são 15, sendo dez diaristas para limpeza cadastradas em um banco e que são chamadas em dias mais cheios, como feriados e grandes festivais. Entre os CLTs, há profissionais de limpeza, de governança, de atendimento ao cliente e uma gerente-geral, com salários entre R$ 2,5 mil e R$ 8 mil.

Outros endereços 

No último mês, veio outra novidade. Judson deixou de trabalhar exclusivamente com o Copan e passou a operar também no edifício Mirante do Vale, no Anhangabaú. E ainda tem planos de expansão para outros prédios históricos que passaram por retrofit, como o Edifício Virgínia e Basílio 177, que estão em fase final de obras.

Apesar de ver benefícios para os edifícios que recebem hóspedes, Judson não acredita que o modelo funcionaria bem em qualquer endereço. No caso do Copan, ele diz enxergar um impacto positivo muito grande, pois a valorização dos imóveis foi crescente e um apartamento que em 2015 valia R$ 230 mil passou a valer mais de R$ 500 mil, segundo o empresário.

“Tem muito prédio subindo achando que vai ser igual ao Copan. Eu não acredito nisso. Se não tiver um valor agregado no produto, ele se perde na concorrência. Você precisa entregar uma experiência boa, que em alguns casos, vem do prédio em si, como no Copan. Mas o mais importante é a estrutura oferecida pela empresa.”

Perto do Copan, o edifício Altino Arantes – o Farol Santander – também é um chamariz para turistas. Com exposições, tours e opções gastronômicas, o prédio de 40 andares guarda em seu 25º andar uma das hospedagens mais icônicas da cidade de São Paulo, um apartamento em decoração Art Déco chamado de Loft do 25, com uma vista privilegiada.

São 335 metros quadrados assinados pelo escritório francês de arquitetura Triptyque, com diárias que partem de R$ 4 mil. O conceito do projeto baseia-se na criação de dois planos distintos – um mais rebuscado e outro mais “brutalista”. O piso superior expõe toda a história de construção do edifício dos anos 1930 através de seus materiais e instalações aparentes. Mármore, painéis de madeira, piso monolítico e o desenho reproduzido nas pastilhas de vidro da sala de banho (que remete aos grafismos criados pelo arquiteto John Graz) contribuem para recriar a atmosfera do período entre os anos 1920 e 1940.

Já o inferior foi redecorado e apresenta uma linguagem mais refinada, com elementos que evocam o Art Déco, movimento que estava em alta quando o prédio foi construído. A capacidade de hospedagem é para cinco pessoas, mas também funciona em formato de evento, recebendo até 50 convidados.

Antonio Carlos Pela, vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACS) e coordenador do Conselho de Política Urbana (CPU) da entidade, aprova a prática de explorar o potencial histórico e turístico de endereços icônicos quando se pensa na revitalização de centros urbanos.

Nas palavras de Pela, o caso específico do Centro Histórico da capital paulista, que vem assistindo a um movimento desenhado a muitas mãos para resgatar sua vitalidade, todas as atividades que fazem parte da dinâmica urbana devem estar presentes: morar, estudar, trabalhar e se divertir. “Sobretudo aquelas que gerem fluxo nos horários pós-expediente e aos finais de semana. E as hospedagens temporárias de cunho turístico e cultural reverberam positivamente esse tão necessário movimento na região”, diz Pela.

Crédito imagem: Divulgação

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