O resgate do Virgínia, edifício ícone do Centro de São Paulo

Conversamos com Marcelo Falcão, sócio-fundador da incorporadora Somauma, que realiza o processo de retrofit do prédio erguido na década de 1950

Conversamos com Marcelo Falcão, sócio-fundador da incorporadora Somauma, que realiza o processo de retrofit do prédio erguido na década de 1950

Um dos edifícios icônicos da região central de São Paulo, o Virgínia passa por um processo de retrofit previsto para ser concluído ainda este ano. Quando for recuperado, terá os apartamentos originais remodelados, ganhará equipamentos modernos como academia e bicicletário e seu térreo será novamente ocupado por lojas. Hoje, 91% das unidades habitacionais já estão vendidas.

O responsável por trazer o Virgínia de volta à sua glória, após anos de abandono, é Marcelo Falcão, sócio-fundador da incorporadora Somauma, responsável pelo retrofit de outros edifícios da área central da Capital, como o RBS 700 e o Gal 730.

Morador do Centro desde criança, Falcão viu um grande potencial mercadológico no Virgínia, um dos poucos prédios da região com área construída de mais de 10 mil metros quadrados, em uma localização privilegiada – no entroncamento das ruas Martins Fontes e Álvaro Carvalho. Como bônus, sua fachada em ‘V’, que explora cada centímetro do lote onde foi levantado, é uma relíquia da arquitetura modernista.  

Projetado na década de 1950 pelo arquiteto José Bellucci e pelo engenheiro Luiz Maiorana a pedido da família Matarazzo, por anos o prédio foi ocupado por apartamentos de alto padrão. Mas, a partir da década de 1970, o processo de degradação do Centro de São Paulo levou os moradores para outras regiões e o Virgínia ganhou perfil comercial, com escritórios ocupando os andares. Com o tempo, o edifício acabou abandonado, fechando as portas definitivamente em 2019.

Em 2020, a Somauma assume o Virgínia e inicia o processo de restauração de seus dois blocos e 11 pavimentos. Marcelo Falcão detalhou essa empreitada em entrevista ao Diário do Comércio. Confira:

Diário do Comércio – O Virgínia é o primeiro edifício aberto ao público em geral pela incorporadora. Por que escolheram ele?

Marcelo Falcão – O Virginia sempre chamou atenção pela localização, por estar no entroncamento da rua Martins Fontes e Álvaro Carvalho, de frente para a Consolação e a Paulista. É um edifício com uma característica muito diferente, tanto geográfica, respeitando o lote em que ele se enquadra, como na arquitetura, fazendo um ‘V’ que se abre para essas duas ruas. Então, é um prédio em que se enxerga uma arquitetura de qualidade.

Do ponto de vista de mercado, é um dos poucos prédios com mais de dez mil metros quadrados construídos no Centro de São Paulo. Isso chama os investidores. É um prédio com valor geral de venda mais atrativo.

Como foram as negociações?

Eu demorei seis meses para encontrar os proprietários e cerca de um ano e meio negociando o edifício. Os proprietários demonstraram interesse, mas havia muito espólio, muitos herdeiros e advogados envolvidos. Foi complexo negociar. Além disso, teve concorrência. Nosso diferencial envolveu maiores riscos ao assumirmos a segurança do prédio.

O Virginia é um edifício que chamamos no mercado de ‘estressado’, porque a documentação estava irregular, o prédio estava sem o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). Havia uma série de questões antes de passar a escritura, então, levamos mais alguns anos regularizando essa documentação. O fato de ser um prédio obsoleto refletiu no preço de aquisição e foi negociado com os proprietários. Foi um negócio de risco.

Quais os impasses burocráticos envolvendo retrofit nesses imóveis vazios há anos?

Envolve uma série de questões. A retificação do lote é um dos problemas, porque quando pegamos a matrícula – quando tem matrícula, porque a maioria dos lotes são transcrições –, os lotes não possuem o perímetro bem definido, ou seja, temos a área, mas não todas as medidas para formar o perímetro. Por isso, precisamos refazer o levantamento planialtimétrico. Depois, ter a anuência dos vizinhos, que às vezes não entram em um acordo e acabam complicando o processo.  

Além disso, havia alguns gargalos de legislação, que não temos mais aqui no Centro, mas que ainda afetam outras áreas da cidade. Por exemplo, no nosso primeiro projeto, o RBS 700, tínhamos uma parte importante de demolição para criar unidades de ventilação e iluminação, mas não podíamos usar essa área para expandir o prédio em dois ou três andares. Então, poder fazer isso no Centro é um começo, mas é preciso expandir para outras regiões. O retrofit é o futuro, não tem mais espaços para construir e demolir não é uma solução.

Após o retrofit, o edifício Virgínia ganhará também lojas no térreo. O conceito de fachada ativa tem sido um diferencial na hora da venda? Ele funciona bem no Centro? 

A fachada ativa funciona bem quando é planejada para isso. O Centro foi pensado de outra forma na sua origem. Olhando para o Triângulo Histórico, havia uma característica europeia, onde esse conceito funciona. Esses espaços foram ocupados por bancos ou grandes varejistas. Mas hoje, um desafio é trazer novidades para a região, pois no momento são apenas lojas populares que têm ocupado esses espaços.

A fachada ativa é fundamental para se ter um bairro seguro, pois onde há movimento, tem segurança. Há o conceito da cidade de 15 minutos, e temos isso no Centro, com lojas, emprego, transporte público, tudo em um mesmo espaço. O que falta é habitação. Com habitação, trazemos escola, padarias, farmácias, negócios que ficam abertos por mais tempo. As fachadas ativas se encaixam nesse conceito.

Em relação ao Virgínia, o público gostou muito do conceito de fachada ativa. Foi algo que despertou curiosidade para saber quais lojas estarão no térreo. Já estamos conversando com importantes marcas, que ainda não posso revelar, mas sempre pensando em uma maneira de perpetuar o projeto do empreendimento, com o objetivo de ter uma loja que funcione 24 horas, uma mais sofisticada, outra mais democrática, trazendo essa diversidade ao Centro.  

Quantas lojas teremos no térreo do Virginia?

Nos térreos teremos quatro lojas, mas pensamos em um conceito em que essas lojas se misturem, como em uma galeria. Então, no mesmo espaço em que tenho um café, também tenho uma loja de design e arte.

Os incentivos oferecidos pelo Programa Requalifica Centro, como cobertura de até 25% dos custos da obra, isenção de taxas e redução de ISS são suficientes para estimular o retrofit na região?

São bons incentivos, mas não suficientes. É preciso pensar nessa questão não como uma política habitacional, mas sim como requalificação urbana. São necessários alguns ajustes. Em relação aos 25% do custo de obra, o mecanismo de cálculo não atinge realmente esse porcentual. Esses 25% seguem normas dos preços tabelados e não refletem o custo real da obra. O edifício Virgínia, por exemplo, foi contemplado com quase 10% da tabela de subvenção, mas na realidade isso correspondeu a pouco menos de 5%.

Como política urbana, são grandes incentivos, mas é preciso mais do que isso, há necessidade de políticas de crédito, até mesmo para conseguirmos trazer habitação popular para o Centro.

Qual a importância do retrofit para a região central?

Tanto o retrofit como uma política habitacional para o Centro são fundamentais para requalificar a região. Depois das 18 horas, a maioria das pessoas vai embora do local hoje em dia, e isso só vai mudar quando mais gente estiver morando no Centro. Ao trazer as pessoas para morar mais perto dos empregos, se acaba com os problemas dos grandes deslocamentos de carro, diminuindo a emissão de gases. Além disso, se reduz a necessidade de o poder público fazer grandes investimentos em infraestrutura viária e em equipamentos públicos, que hoje precisam ser levados aos extremos da cidade.

Crédito texto e imagem: Rebeca Ribeiro – Diário do Comércio

Descubra mais no Youtube!